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  • Foto do escritorCain Mireen

Entrevista com um Mago Cerimonialista

Saudações a todos;

Trago para vocês uma entrevista com o mago Wellington Baptista, a sua vida e o caminhar de sua vida e recheado de conhecimentos cerimoniais e uma vida dedicada ao oculto; conheça um mago que passou uma parte de sua vida em um mosteiro e teve contato com formas cerimoniais da magia, isso faz eu lembrar de uma frase que sempre dizem " Sempre há uma bruxa, no convento".


1- Seja Bem Vindo e  Obrigado por conceder uma entrevista para a Encruzilhada, Por favor pode se apresentar para nós? Quem é você?


R: Muito obrigado Cain. Bom, eu sou Wellington Baptista, 29 anos, nascido e criado em São Paulo e ocultista desde minha pré adolescência. Sou graduado em filosofia e teologia mas infelizmente não reconhecida pelo MEC brasileiro, uma longa história...aqui no BR não tenho nenhuma formação acadêmica por hora.


2- Para saber o que a pessoa pratica, eu costumo pedir para ela contar a História dela, você pode contar a sua história?


R: Vamos lá, senta que lá vem textão (hahahahha). Minha história na arte do Chifrudo começa aos meus 11 anos de idade, onde eu por curiosidade acabei indo atrás de minha tia avó e a filha dela, na clareira nos matagais de campo limpo paulista (onde minha família tem uma chácara).

Minha tia avó, Maria Conceição Baptista, que os Deuses a tenham, era praticante de bruxaria Ibérico Lusitana (vertente à qual é muito praticada na ilha da madeira em Portugal, de onde provém toda minha família tanto por parte de pai quanto de mãe). Ela me surpreendeu escondido curiando o rito dela, e então ali mesmo me "iniciou" nos mistérios com profecias bem particulares, cujas quais ainda seguem se cumprindo em meus dias atuais.

Aprendi a base da feitiçaria tradicional com ela, porém quando tinha 13 anos ela faleceu e tive que me virar sozinho para seguir na arte. Na época, internet era coisa de gente rica e os acessos a bons livros era raro, então tive que me virar para estudar, e estudei mais a bruxaria natural, sem nenhuma vertente específica, mas com resultados bastante efetivos. Tive o privilégio de conhecer um amigo que estudava na escola de bruxaria natural luz da lua (antiga escola em Santo André) e lá consegui me desenvolver bastante.

Nesse período minha família descobriu tudo, que eu era praticante de bruxaria e gay, e aos 17 anos acabei me vendo obrigado a ir me refugiar em um mosteiro para não morrer.  Sim, apesar de minha tia avó ser Bruxa, todo o restante da família era extremista católico.

Nesse período, entrei na ordem dos pobres de Jesus Cristo, uma fundação radical franciscana, e lá recebi diversas iniciações em mistérios católicos. Aprendi a arte da meditação, da contemplação, do desapego ao material, e foi lá que conheci a Theurgia Angelica de Trithemius e a Ars Goetia. Então começou um amor imenso pela magia cerimonial, mas obviamente em panos católicos que jamais são revelados. 

Sai do mosteiro, e desde então ingressei em ordens de magia cerimonial e do caos, além de ser fundador de um coven de bruxaria eclética e magia cerimonial aqui em SP. Conheci a umbanda, o candomblé e enfim já passei por diversas vertentes, afinal, dos meus 29 anos, 18 já estão dedicados à antiga arte,



3- Você andou por muitos caminhos mágicos ; hoje qual é o caminho que define o seu ofício? E como você define a si mesmo nos tempos atuais?


R: Olha, eu andei por diversos caminhos que se resumem basicamente em dois: 

Bruxaria eclética (eclética pois estudei e pratiquei desde a bruxaria ibérica até a bruxaria moderna), e Hermetismo ou Hermeti-caos como alguns chamam por aí rs.


4- Você contou para eu, sobre a sua entrada para uma Ordem de Monge, como aconteceu isso? O que você fazia lá?


R:  Bom já disse um pouco acima, mas direi um pouco mais detalhadamente:  Eu meio que fugi para o mosteiro. Acontece que minha família intolerante e super tradicionalista, chegaram a me levar a psiquiatras, exorcistas e até me entregaram uma arma para eu me matar 

pelo simples motivo de eu ser gay e não cristão. Então passei a fingir ser católico para sobreviver e acabei conhecendo os frades, que na época foi a oportunidade perfeita de escapar do que para mim seria minha morte.

Lá no mosteiro, como em qualquer ordem iniciática, fui aspirante, postulante, noviço, professo de votos simples renovados por 3 vezes, e quando fui fazer os votos perpétuos, decidi sair antes de selar meu destino pra sempre.

Minhas atividades se resumiam em uma célebre frase de São Bento de Núrsia: "ORA ET LABORA", que em português significa ore e trabalhe. Metade do dia era dedicado à meditação e contemplação, e a outra metade a estudos e serviço aos pobres,

que era um foco grandioso da ordem, diga-se de passagem. Em determinado nível iniciático, aprendemos sobre misticismo judaico cristão dentro da igreja, e então aprendemos a arte da magia cerimonial, com nome velado de devoção secreta aos anjos. Como sempre tive uma mediunidade mais aflorada, fui cotado para estudar exorcismo e acompanhar os mesmos em seus rituais. Estudando demonologia, tive que aprender sobre a famosa Ars goetia Salomônica e seus efeitos devastadores

nos incautos. Desde então, passei a dedicar grande parte de meus tempos de oração e meditação, a estabelecer contato com os anjos e entender melhor os "demônios".

Foram seis anos de uma profunda experiência em minha vida e, para desespero dos meus familiares, lá dentro aprendi e pratiquei magia em tempo integral praticamente, apesar do termo "magia" ser abominado, e tudo ser chamado de "práticas internas".

O motivo de minha saída de lá se deu por uma crise antes de profissão perpétua, pois como homossexual eu não poderia exercer minha sexualidade nunca mais ali dentro, e isso me angustiava muito. Fora isso, fui chantageado e sofri tentativas graves de abuso, o que contribuiu bastante para minha decisão.

Neste tempo todo, estudei filosofia e teologia, bem como ciência da religião; viajei por quase toda América latina  e metade do Brasil, e ajudei tanta gente que me sinto, se me é permitido ao ego, orgulhoso.

5-  Bruxa e a feitiçaria católica, todo esse reviravolta que possui nessa ligação; para você o que se entende dessa ligação?


R:  Na verdade a minha pergunta é, como é possível esses "bruxos modernos" negarem toda uma tradição histórica, antropológica e sociológica em nome de um neopaganismo mal construído?!

Se estudarmos a história da idade média, da ascensão dominadora da igreja sobre a Europa e posteriormente sobre as Américas, veremos que em um processo sangrento e nada justo, o paganismo e a doutrina católica se mesclaram.

Não há aqui um julgamento de quão errado ou certo isso foi, apenas o fato que isso ocorreu e mudou completamente a mentalidade do povo. Ora, com tudo isso, o sincretismo surge com muita facilidade e as práticas pagãs se misturam com práticas católicas.  Brigit passa a ser Santa Brígida; os deuses Chifrudos e Tricksters se tornam o temível diabo; as festividades sazonais passam a ser a liturgia católica (natal, páscoa, etc) e em contrapartida, o povo pagão pegou elementos sacramentais e transformaram em objetos mágicos de suas artes campesinas. O rosário da virgem, a hóstia, as imagens de santos, a água benta e tantos outros instrumentos (incluindo a própria bíblia e o uso do latim) passam a ser usado em diversas práticas de bruxaria nos campos.

Dentro do clero, ordens como os templários (de onde advém Baphomet), os maçons (antes de excomungados), e tantas ordens, passam a usar magia em seus cultos internos. A Theurgia de Trithemius (que era monge beneditino); os apelos à autoridade de Salomão, e tantas coisas mais  do nosso ocultismo atual, surgem por esse sincretismo complexo.

Atualmente, qualquer praticante de bruxaria tradicional ainda conserva os costumes herdados dos antigos. Morei nos Andes (Bolívia, Peru, Chile), e lá todos os bruxos adoradores de Pachamama, vão às missas, celebram seus mortos com água benta, roubam os sacramentais da igreja, e utilizam energias de egregóra católica em seu ofício. A santeria em toda a América, o Hoodoo, a própria umbanda e catimbó brasileiros, todos eles bebem desse sincretismo sangrento, de forma harmoniosa.

Dito isso, fica claro que afirmar que a bruxaria e o catolicismo (não cristianismo protestante) não se misturam, é negar absurdamente todo um milênio de sincretismo religioso. Então ao meu ver, só pode negar essa ligação íntima, quem de fato não estudou

absolutamente nada a não ser o reconstrucionismo pagão. Não há lógica e, ao meu ver, é uma ignorância maligna esse negacionismo todo.

Ainda ressalto, que com isso não sou defensor da bruxaria cristã, que em seu método insiste em unir protestantismo com magia, mas sim que nas práticas de bruxaria existe sim um sincretismo harmônico com o catolicismo que usa quem quer, como quer e se lhe aprouver. 


6- Bruxaria, qual é a sua definição pessoal? e quem é a bruxa?


R: Para mim, bruxaria é a prática dos "não encaixotados". Me explico. Ao meu ver, bruxaria não se encaixa em uma religião (como os Wiccanos o fazem) e se organiza em suas crenças, métodos e práticas, como um fenômeno "contra cultural" e por que não afirmar, herético? Quem não se enquadra em uma religião; quem não aceita dogmas e nem verdades absolutas; quem celebra seus mortos; quem não teme em cuspir na cruz em um dia e ir na missa em outro; quem transita entre os mundos, para mim está é a bruxa. Ela é capaz de se ajoelhar em frente ao Santíssimo Sacramento, só para profaná-lo depois; Ela é capaz de se entorpecer em quimiognose, somente para transcender sem medo!; Ela prepara sua vida em prol de uma encruzilhada sem fim que a leva de reino em reino, para usar e abusar deles como bem entender, e depois abandoná-los como se nunca os tivesse conhecido.

Com essa visão poética, não afirmo que bruxaria é bagunça, jamais! Antes bem, ela é o que o famoso escritor Nicholah Frisvold, chamou de a arte dos indomados.

7-A Ancestralidade, é importante para a prática pessoal? Porque?


R: Depende do que estamos chamando de ancestralidade. Se ela tem uma conotação hereditária direta, diria que não tanto. Mas se estamos falando quanto a antepassados e o culto a eles, então vejo de  como  fundamental importância.

Desde que o homem descobriu a arte de sonhar e o peso de morrer, a espiritualidade passou a existir. digo isso, para afirmar categoricamente que em quase todos cultos espirituais, religiosos ou não, temos a ancestralidade como fonte principal de sabedoria. O que seriamos de nós sem nossos antepassados? Absolutamente nada! Por isso honrá-los é um dever, beber de sua sabedoria uma arte e, conviver com seus espíritos, o verdadeiro banquete das bruxas! 


8- O que você espera da comunidade brasileira nos dias futuros?


R: Eu vejo que a comunidade hoje passa por um processo extremamente extremista. De um lado temos os chamados "adolemisticos", "esquisotericos", bruxos de internet, etc...De outro, temos os cagadores de regras, os donos da verdade, os inquisidores, etc. Por mais contraditório que seja, o fácil acesso à informações antes ocultas, não formou magos sábios e sim um bando de gente maluca. Já reparou como encontramos de tudo na comunidade mágica atual? Existem desde pessoas que não aceitam correções, até os que se julgam detentores da sabedoria tendo lido 3 pdfs. Digo isso, para tentar desenhar o futuro da comunidade mágica BR e, ao meu ver, ela tende cada vez mais a se apoiar em vídeos de youtube e posts de redes sociais, do que em um aprendizado prático e sólido. 

Felizes aqueles que em meio a essa torre de babel, conseguem se aprofundar em teoria e prática em uma vertente, e segui-la com fidelidade. Os ocultistas atuais precisam entender, que o conhecimento autêntico advém da hermenêutica da continuidade e não da internet (apesar dela ser uma ferramenta super útil).


9- Aos leitores que acompanham o blog, você pode deixar algum conselho para quem deseja seguir o caminho da magia?


R: Claro, deixo sim, vamos lá:


1 - LEIA MUITO. Sempre recomendo começar pela história da bruxaria e da magia e não pelos livros "receitas de bolo" que temos. Leia até cansar e quando cansar, retome seu fôlego e leia mais. Com os anos, você descobrirá que não sabe nada

comparado a todo conhecimento mágico que o mundo tem. Indico para um bom começo, a leitura de História da bruxaria de  Jefrey Russel; A arte dos indomados, já citado anteriormente, e Bruxaria Apocalíptica de Peter Grey. 


2 - LER NÃO BASTA! Pode parecer contraditório com o primeiro conselho, mas é a realidade. Uma grande tendência atual é as pessoas se entupirem de PDFs, já percebeu? Nos grupos da vida, todos os dias tem gente implorando por PDFs e mais PDFs. Isso sendo estudado é ótimo, mas só isso não te leva a lugar nenhum. Feitiçaria, bruxaria e magia, são ofícios que tendem a te levar a obter resultados concretos. Para isso, levante a bunda da cadeira após estudar, arregace as mangas e comece a praticar. Um bom livro inicial de práticas é o Liber MMM.


3 - NÃO SEJA BABACA! Ou seja, não seja mais um estudante extremista, que não respeita os mais velhos na arte, ou que sai por aí ditando verdades absolutas aos 4 ventos. Entenda que você, ao decidir trilhar este caminho, se coloca em uma rota onde sempre será aprendiz. Estou neste caminho a 18 anos apenas, e descubro cada vez mais quanta coisa falta ainda aprender, estudar e praticar! E se eu com essa trajetória me considero um incauto muitas vezes, você que tem 14 ou 15 anos e leu meia dúzia de livros com poucas práticas que resultaram em algo, também deveria aprender que o caminho está apenas começando e que, o caminho do arcano 1 do tarot, sempre será melhor que a estagnação no arcano 0 (ou 22).


10- Muito obrigado pela entrevista, que o Velho lhe abençoe.  

R: Eu que agradeço a confiança e oportunidade.

E que o chifre do Velho e seu Falo portentoso, nos guie sempre mais pelas encruzas desta e das demais vidas. Cain Mireen

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