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OS MISTÉRIOS DA NOITE DE SÃO JOÃO: SOLSTÍCIO INVERNAL AUSTRAL, FOLCLORE E SABERES ANCESTRAIS

Autor: Emanoel Hodrich

As festas juninas inicialmente celebravam os santos populares de Portugal, tendo sua origem europeia. Por se realizar essencialmente no mês de junho, em todo Brasil, ela tem o nome “junina”, outrora chamada “joanina”, de São João. Durante as festas, realizadas nos arraiais, um amplo espaço ao ar livre, “Fogueiras, fogos de artifício iluminam as noites e animam a população com os casamentos caipiras, as quadrilhas, as leituras de sorte, sempre acompanhados das comidas e bebidas típicas. ” (CASCUDO, 2002, p. 232 apud CARVALHO, de Medeiros Flavia, 2013, p.33).


O Nordeste do Brasil foi a primeira região a receber levas de imigrantes europeus, inicialmente os portugueses e com o passar dos anos franceses, holandeses, ingleses e espanhóis. Com a chegada desses povos veio também suas práticas culturais e religiosas, impostas de forma invasiva e opressora, que encontraram solo fértil para um sincretismo religioso-mágico sem precedente. No que tange as práticas mágicas europeias, foi através dos degradados da Inquisição que orações, encantamentos, poções, rituais, breves e saberes herbais chegaram às Terras de Santa Cruz.


As tradições católicas portuguesas absorveram ritos e mistérios que outrora eram tidos como pagãos e entregaram esses Antigos Mistérios com novas roupagens, muitas vezes sofrida demais e muito apequenada. Bem, graças a esses degradados o saber Antigo foi preservado através das sagas dos santos populares. E São João Batista encerra não só uma compreensão catequizada de um Mistério Antigo como também chancela a prática de uma variedade de modalidades de adivinhações e sortilégios, sobretudo, amorosos.


E é ainda no Nordeste que esse santo é celebrado e honrado com festas, comidas típicas e fogueiras, não coincidentemente noites após o solstício de inverno. É importante salientar que, embora, a comemoração se dê durante o período solsticial austral o mistério está intimamente relacionado ao sol em seu trajeto de ascensão/declínio através da elíptica. Essa compreensão se faz necessária, pois, tais festejos sofreram adaptações não só culturais, mas ambientais.


Tendo essas questões em vista podemos adentrar alguns saberes típicos desse período rico em significados mágicos. A fogueira é de longe o símbolo mais conhecido do período junino. Tal símbolo é resquícios de práticas tão antigas quanto o tempo. É sabido que desde a pré-história o homem observa e celebra os ciclos da Natureza, ao perceber mudanças no ambiente passaram a se orientar pelos ritmos que eram ditados pela Mãe. A fogueira não apenas reunia, protegia e os mantinham aquecidos, mas era semelhante em calor ao astro que viam progressivamente nascer, alcançar o ápice do céu (zênite) e se pôr.


Suas danças entorno da fogueira era não só uma forma de festejar, mas também uma forma mimética de representar seus desejos de que o sol retornasse e com ele trouxesse a vida, assim, como de celebração o seu retorno. Tais saberes foram ao longo do tempo se consolidando, inicialmente de forma intuitiva e no transcorrer das eras de forma empírica e racional. E assim, hoje chegamos a compreensão de um dos Mistérios, que nada mais são que o entendimento profundo de causas e efeitos que passam totalmente despercebidos pelos profanos.


Alguns desconhecem e outros esqueceram, mas no período solsticial/equinocial marés etéreas inundam a Natureza[1] com eflúvios energéticos e aqueles que seguem o Caminho ainda podem sentir o fogo serpentino crescer ou diminuir em suas veias a medida em que o Tempo muda. E essa mudança está intimamente ligada ao local e região que cada um ocupa, pois, por exemplo, o inverno na Região Nordeste não é igual ao que ocorre no Norte, nem no Sudeste, tão pouco no Centro-Oeste e muito menos no Sul. Deve-se levar em conta os aspectos de cada local e região, pois essa força etérea, embora englobe todo o hemisfério sul, se personifica e age de acordo com a especificidade de cada localidade.


O fogo é símbolo atemporal da manifestação física das forças criadoras/destruidoras e na fogueira junina está o significado, obviamente mimetizado e debaixo de uma grosa camada de conceitos cristãos, da compreensão de processos naturais e energéticos que estão relacionados ao movimento do sol. Falando do aspecto oculto e iniciático dos solstícios (e também dos equinócios) quatro vezes por ano, desce ou flui em nossos corpos uma corrente de energia hierárquica, nas modificações das estações, nossos corpos ficam sobre sua influência. No outono e inverno átomos do sistema seminal[2] se fertilizam e nutrem de tal forma que, ao chegar o equinócio de primavera, podem fertilizar as células nervosas do cérebro. Como todas as demais formas de vida, respondemos a energia solar (e lunar).


O fogo, seja do sol ou da fogueira tanto aquece e nutri quanto purifica e destrói. E nesse caso é bastante comum ver pessoas pularem fogueiras nas festas juninas pelo interior do Nordeste, essa é uma das práticas mais antigas de purificação, como bem se sabe. Quanto as práticas mágico-religiosas, essas são vastas. Na véspera de São João é possível realizar uma adivinhação para saber a inicial do futuro companheiro/a da seguinte maneira:

A meia-noite encha uma bacia com água do poço e escreva em[3] pedaços de papel branco as letras do alfabeto. Dobre cada papel e os jogue na água, dobre bem, de modo que eles não se abram facilmente. Deixe essa bacia tomar o sereno da noite, ao amanhecer vá ver qual papel está aberto. A letra que estiver visível será a inicial do nome do/a seu/sua futuro/a companheiro/a.


Há uma variante:

Na véspera da noite de São João, encha a sua boca com água e fique escutando a conversa de alguém atrás de uma porta. O primeiro nome próprio que você escutar será o nome do próximo namorado ou namorada.


Outra variante:

Se você está balançada (o) entre dois amores e não sabe quem escolher, a dica é escrever o nome dos (as) pretendentes em um pedaço de papel e jogar em uma bacia com água. O primeiro que desenrolar é o escolhido. Detalhe: a simpatia tem que ser feita na noite de São João

Outra prática, bastante comum durante essa época, consiste em

Na noite do dia 12 de junho você deve espetar uma vela branca com espinho de rosa ou um alfinete virgem, enquanto espeta deve-se pensar intensamente na pessoa em que se ama. Deixe a vela queimar por completo. Antes do final do dia essa pessoa irá te procurar.

Outro sortilégio para casar:

Seu uma mulher que esteja dividida entre o amor de dois ou mais homem deseja saber com que deverá casar deve na véspera de São João preparar pamonhas e dentro de uma delas colocar uma aliança, mas enquanto prepara deve fazer uma oração a Santo Antônio. Após cozinha-la deverá servi a iguaria aos pretendentes, aquele que encontrar a aliança será o candidato digno de seu amor.


Essa outra prática adivinhatória não é para os temerosos ela consiste em,

Após ter acendido a fogueira na noite de São João, quando ela estiver com as labaredas altas e luminosas, reúna até 13 pessoas envolta de uma bacia cheia de água, que deve ser segurada por uma mulher. Após rezarem uma Ave-Maria e um Pai-Nosso devem dizer: Meu São João dos carneirinhos nos revele quanto tempo ainda iremos viver. Ao finalizar a prece todos devem buscar ver seu próprio reflexo na bacia com água, aquele que não ver, infelizmente, morrerá dentro de um ano.


Contudo se tal prática for realizada de forma solitária uma virgem deve encher a bacia.

Uma prática que não está diretamente ligada a tradição junina, mas a minha família em particular, que é recolher os restos dos carvões da fogueira de São João antes do sol nascer e guardar numa caixa de madeira, tais carvões não poderão mais ser expostos a luz solar. Esses só deverão sair da caixa quando forem usados para fazer defumações, acender um fogo ritual, traçar símbolos ou o círculo ou preparar tinta para fins mágicos.

[1] Gostaria de explicar que não distingo o homem da Natureza, por essa razão uso a inicial maiúscula. Acredito que já passou do tempo de nos religarmos à terra. É notório o dano que a ideia de o homem enquanto ser superior e desvinculado da terra e dos seus ciclos tem causado a todo o equilíbrio do planeta e consequentemente ao próprio homem. [2] Tais conceitos são amplamente explicados e discutidos na obra Os Deuses Atômicos: Revelações de Ocultismo e Ioga Transcendental, escrito por M. [3] Originalmente era usado uma bacia de porcelana, ágata, prata ou pedra. De toda forma a bacia deve ser a de menos uso e a mais requintada que possuir. Ainda hoje é comum no Nordeste famílias possuírem um jogo de utensílios, como aparelhos de jantar, taças, copos, travessas, bacias que são usados apenas em ocasiões especiais.


Sobre o autor:

Er Hodrich é Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Pernambuco, estuda e pratica a Bruxaria Tradicional há mais de uma década, tem interesse nas áreas de herbologia, filosofia oculta, antropologia, etnografia, história geral, línguas, feitiços, astrologia e astronomia. Não gosta de proselitismo e acredita que determinados segredos ainda devem ser mantidos. Contudo, compreende que é chegado o momento de reunir de volta aqueles que ainda podem sentir o ressoar do som dos cascos do Senhor de Chifres. Deseja ter um imenso jardim com estufa. Ama o conhecimento e nunca dispensa um bom café com pão de mel. Conversas fiadas lhe cansam. Prefere qualidade a quantidade.

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